2 de janeiro de 2011

A dona da casa atendeu o telefone, e um conhecido a pegou por trás

Ela é só uma casca, dura e oca por dentro, daquelas pessoas que julgamos ter pena quando vemos andando pelas ruas. Uma daquelas pessoas que se afundam na merda líquida, e não sabem nadar.
É essa a sua impressão ao vê-la. Mas impressões nunca vão passar de impressões.
Ela tinha raiva das pessoas, pequenos parasitas que se chamam de pessoas. Achava uma perda de tempo sem tamanho, uma burrice, você viver.
Ela queria sua morte. Não a dela, a sua.
Acordava todos os dias de manhã cedo, tomava uma xícara de café com leite atolado em açúcar, e saía para trabalhar. Ao contrário do café, era amarga com as pessoas, porque o recíproco era verdadeiro e antecessor.
Trabalhava como caixa de supermercado, e todos os dias algum cliente discretamente a chamava de puta, costume. Uma noite, ao chegar em casa, abriu a porta, adentrou o ninho a que chamava de apartamento. Largou as chaves em cima da mesa central da sala e foi tomar banho. A campainha tocou. Ela rezou para que não fosse Fernando, seu vizinho para quem ainda fazia esforço em demonstrar carinho. Desligou o chuveiro, enrolou-se numa toalha, e caminhou até a porta, mas ao abrir, nada. Achou estranho mas acabou por voltar ao banheiro.
O telefone tocou. Novamente cobriu-se com a toalha já molhada e foi atender. Nada. Voltou ao banheiro decidida a não mais sair até que o banho tivesse acabado. Lavou o cabelo e ensaboou o corpo, parte por parte. Possuía um corpo pálido, com sinais pretos, que lembravam chocolate branco com cookie. Enxugou-se e foi ao quarto vestir algo. A campainha tocou. Pensou em não atender, pois além de ter tido um dia cansativo ( como de fato eram todos ), não gostaria de mais uma vez encontrar o vazio em sua frente. Mas acabou por colocar um pé na frente e outro atrás, um pé na frente e outro atrás, um pé ... Abriu.
- Porque demorou tanto a me atender ? Perguntou Fernando, que sorria demasiadamente.
- Ah, é que... hm ... Por nada.
- Certo, veja o que trouxe, Val.
- Pra que frutas e uma garrafa térmica com ... chá gelado ?
- Porque eu tenho que comemorar algo com você, comemorar com alguma coisa que não seja essas porcarias que você come, não posso entrar ?
- Pode sim, senta ali no sofá, já vou indo junto.
Ela olhou para fora, saiu um pouco para verificar se não havia algo que mostrasse quem tocou a campainha antes. Olhou para Fernando, arrumando as coisas na mesa da sala, sorrio. Entrou e fechou a porta.
- Fernando, você tocou a campainha antes ?
- Não, Val, porque ?
- Por nada. E telefonou ?
- Também não. Pode pegar copos na cozinha ?
- Vá você.


...


- Valentina!
- O que é, Fernando ? Já disse pra não me chamar assim!
- Posso usar as taças ?
Valentina olha com um olhar de desdém que deixa Fernando constrangido, mas de qualquer forma, vem andando com as taças na mão.
- É um lindo nome, Valentina, porque não ? Valentiiiina, Valeeeentina, Valentinaaaaa.
- Quer parar ? Alias, pra quê taças ?
- Eu não disse que estamos comemorando ?
- Ah, sim, mas o quê exatamente ?
- Um emprego que aceitei. Para tocar piano naquele barzinho que fica na esquina.
- Que ótimo!
Eles comem as frutas e o chá gelado, que Valentina detestou, assistem televisão.
- Posso dormir aqui hoje ?
- Acho que pode.
- Nós nunca... hm ...
- Eu sei, e vai continuar assim.
Fernando levanta do chão, onde acabaram sentando, anda pelo apartamento, liga e desliga a luz da varanda, olha os livros, e pensa em qualquer motivo para que Valentina tenha se tornado uma pessoa tão fechada, não que a tivesse conhecido diferente. Na verdade, pensava que não a conhecia, o que não deixava de ser mentira. Certa noite, quando acabava de chegar em casa, avistou Val abrindo a porta, perguntou se poderia conversar um pouco, e desde aí, conversava sempre. Mas ela não falava sobre si, ou sobre qualquer coisa que se relacionasse ao mundo adentro. Mas seu corpo de mulher grega, chamou a atenção de Fernando, e os cabelos que caíam pela cintura, eram como se fossem chicotes, que com chicoteadas, faziam uma parte inferior do corpo dele, latejar. Via açúcar, aonde ninguém acreditava em pudim.
- Posso tomar banho ? 
- Se trouxe toalha ...
- Não.
- Use a minha.
Enquanto Fernando tomava banho, Valentina folheava as histórias em quadrinhos que ele sempre lia, beliscava as uvas que sobraram e ouviu o telefone tocar, foi atender, e novamente, nada.
Pensava '' será brincadeira ? '', porque ninguém costumava ligar ou freqüentar sua casa, e se um aperto na campainha e algumas ligações foram feitas em um só dia, importância ou trote.
Olhou-se no espelho, se perguntava o que Fernando via ali. Não tinha físico de modelo, e nem uma inteligência que chamasse atenção, dinheiro, ou qualquer outra coisa que mulheres acreditam que encanta seres humanos do sexo masculino.
- Valentina.
- Sim ?
- Pode vir aqui ?
Ela foi, abriu a porta do banheiro e viu Fernando, parado em sua frente, a água escorria pelos cabelos castanho claro, e tinha um toque frio. Valentina sabia, pois ele a puxou, e o choque térmico entre ambos fez com que os olhos claros de Val, ligassem. Ela a beijava, com sua boca fria e molhada, a tocava, como se conhecesse cada parte daquilo que explorava pela primeira vez, conduziu aquele corpo feminino para dentro do chuveiro, onde os cachos compridos mais uma vez caíram pela pele, só que dessas vez, misturando-se, e ela disse somente '' mas já tomei banho ... ''
Mais tarde, o telefone tocou mais uma vez, tocou, berrou, mas ninguém foi atender. A dona da casa estava na cama, enrolada pelo íntimo de um conhecido que soube colher a cana. 
  









Nenhum comentário:

Postar um comentário