2 de janeiro de 2011

Póstumo

Comecei a escrever isso em sala de aula, provavelmente numa aula de Matemática. Não botei fé, e ainda não boto, no conteúdo desse texto, mas terminei porque prometi a mim mesma, e por detestar coisas inacabadas quando parecem ter um final.
Também escrevi para Amanda Gabriella.
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- Com a benção de deus e a permissão do diabo.

E fazia quatro e meia da manhã, no horizonte nascente, raiava lá de longe um caminhão. A poeira do caminho, que corria pelo ar, o que ela queria ? Ela queria arrancar. Naquele dia ia embora, em um errante caminho um velho de vida pronta.
Com sua capa de pano, pés sujos e sonhos inacabados, entrou no veículo lotado de semelhantes e segui sua sina.
Conformidade nunca foi seu forte, em busca de algo novo e uma diferente odisséia ele almejava ir atrás. Queria ver algo que jamais havia visto, além.
No caminho poento, o velho olhava sem arrependimento para trás. Figuras se formavam ao logo da estrada, e sendo verdadeiras ou não, imagens sempre revelam algo. Adeus, senhor xamã.
E com o sol de meio dia ele teve de se acostumar, pois sem pena, ele batia sem parar. Já ébrio com o cheiro do cachimbo de uma senhora que fumava no canto do caminhão, adormeceu, e disso sim ele se arrependeu.
- E porque abandona teus filhos, ingrato sem vergonha ?!
      Gritava a voz de um sonho que não me pertence. Houve resposta.
- E quem fala com vontade, de algo sem gravidade ? Nasci e me criei nessa terra e filho dela também sou, um pai cria o filho para fora, que egoísta o contrário faz. Tecelão de seus caminhos eu não posso ser, então porque permanecer e me deixar perecer ?
       A voz calou-se. O velho acordou.
Descendo finalmente do caminhão, o relógio marcava 15h.
Um encanto de cidade, essa nunca viu, e tão maravilhado, o velho quase não ouviu:
  - A cidade consumidora de fogo e enganadora de corações, ela vai sugar, ela vai te pegar e te devorar.
        Gritou um homem de chapéu na mão.
Sem dar ouvidos, o velho adentrou seu possível erro. Andou durante horas, em um bairro chinês, onde ficou até as 6. A cidade multicolorida o engoliu, e por muitas etnias ele passou.
Uma em particular chamou sua atenção, uma bela moça com uma vela na mão. De venda furada tapando um dos olhos, para o velho com o outro olho fitou.
  - A chama da tua vida. Eu posso apagar ? Ela queima levemente até acabar, ela sabe exatamente onde pára o teu andar.
A moça que proferiu, sumiu. E de grande espanto o velho ficou quando começou a ver sentido algum ali. Mas nem bem respirou e já avistou três bêbados vindo ao longe, quase feitos de luz azul.
- Quem vem ?!
  Perguntou o velho
-  Ninguém
  Respondeu uma das vozes
- Ninguém ?
  Perguntou de novo
- Talvez
  Respondeu uma outra voz, e continuou
- Sou o nada, sou ninguém, eu sou nós.
E o velho já não soube o que pensar, três bêbados que ali andavam, sumiram como uma fina espuma soprada. Há muito já estava escuro, mas disso todos já sabem, e o velho, o que procurava ?
      
     - Seeeeeenhoras e meninossss!
Berrou uma voz masculina
     - Com permissão de deus e a benção do diabo... Eu lhessss ... apresento ...
                       Nada mais nada menos que
           Morte.
Sob a luz de um poste apareceu a senhora portadora de um olho só e do fio da vida amarrado no pescoço. E de toda a platéia que ali não estava, olhou e foi até o velho.
Ela, de cabelos vermelho-brasa e psicodélica roupa, respirou o ar frio que pairava perto do velho.
          - E de fato, um rato.
                      Quem pode ser ?
- Meu nome é ..
- Não, seu nome não.
A vida é assim, claro. Você nasce e desde aí começa a perder.
Você cresce, continua perdendo.
Daí morre! E aí começa a ganhar. Sentindo cheiro de incenso, meu caro, você vê o frágil e pequenininho mundo, cada mente tola, de pessoas que conhece e ignora. Você entende que isso tudo é uma prisão, a prisão que tem que ficar até poder realmente viver, que é morrer.
  A cartada da roda da fortuna. Conhece ?
  A cartada da morte.
O velho ficou só novamente. De mente confusa, já não sabia o que fazer, esqueceu o que procurava, sem saber que isso já encontrara. Se largou em um chão qualquer e lá ficou, olhando e ouvindo um ecoando...
  '' Você trocou sua liberdade ''
Ouviu um tambor, pequenas patinhas marchando. Levantou-se, suspirou e concentrou-se.
Aranhas de farda vermelha tocando concretos tambores e cornetas.
- Ai, filha d'uma patifa - exclamou o velho, pois uma pequena caranguejeira que corria longe o havia mordido no pé.
O pé inchou, e na dor ele se confundiu, porque seu ouvido estava estourado com o som de contrabaixo iniciado por uma passeata de hare krishnas, que rodaram em sua volta, o giraram fazendo flutuar. Cada vez mais alto e mais alto.
Estourou. Ganhou.
 

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