15 de outubro de 2010

Conto vespertino

Um guarda-chuva velho, que ficava esquecido no canto da sala daquele célebre senhor, tinha um sonho que todo guarda-chuva deve ter ( creio eu ), ser usado. Quando mais jovem, era usado pela senhora da casa, com função de proteger-la do sol, mas esta havia ido embora no inicio do ano retrasado, desde então, jamais tocado novamente, ele ficava atrás da porta, pendurado pegando poeira.
Era um guarda-chuva não tão exibido, como os primos de sua familia criados da mesma marca, era xadrez preto e cinza, que quando aberto, muita ultilidade tinha. Com a ida da senhora da casa, o senhor que ali vivia deixou de sair com mais frenquencia, e quando saía, não via mal em pegar um sol de meio dia cheio de cólera. O que mais dava gosto ao sedentário guarda- chuva, era sair em dias nublados e chuvosos, gostava de sentir o friozinho em suas pontas e ser segurado com firmeza para que não voasse. A senhora foi embora e o esqueceu naquele canto onde o sol não bate e a chuva não respinga.
Ouvia todos os dias os passos do senhor pela casa, era uma enorme casa, linda por dentro e por fora ( pelo que se lembrava ), cheirava a flores que o senhor sempre colhia do jardim que ficava no quintal. Um guarda-chuva cheio de sonhos e de fértil imaginação, criando sempre uma forma diferente de desenrolar cada pequena historia que lhe passava pela cabeça ( ou cabo de cima ). O que mais gostava era pensar que seu senhor um dia lutaria por sua senhora, libertando-a de uma maléfico feiticeiro russo que tomou-a daquela casa, no final sempre havia uma luta, em que dominado pela magia, seu senhor o usava como arma. Eles sempre venciam no final. Quando não, sua senhora simplesmente era abduzida por aliens comedores de orelhas, então seu senhor, bestificado com tamanho plano de tais alienigenas, bolava um maior e mais audacioso. Com astúcia, ele fazia uma armadilha no jardim, esperava os seres colocarem para dentro o material usado como isca ( ele nunca sabia ao certo o que era ), e ambos, senhor e guarda-chuva, colocavam-se para dentro da nave. Já estando dentro, havia novamente uma luta, só que o guarda-chuva era a chave dos problemas. Ele era uma arma altamente avançada que ameaçava de vez com a raça daqueles malditos aliens. Propondo um acordo de cavalheiros, aliens e senhor chegavam a uma decisão, que era ficar com a senhora e deixar por fim esta galáxia. O guarda-chuva via muita diversão em ver as coisas como elas não eram ( ou como exatamente eram, talvez ).
Certo dia, o senhor pôs-se a andar pela casa, parecia agoniado com alguma coisa, andava de um lado para outro, roendo as unhas e tossindo por vício. Observando atento aqueles gestos, o guarda-chuva ficou curiso, mas nada perguntava ( e nem podia ). Subindo as escadas, o senhor foi ao quarto pegou uma blusa azul xadrez, tirou a calça e ficou de cueca, com a blusa aberta e o cabelo que era bem liso, um tanto quanto bagunçado. Descendo novamente, o senhor passou para a cozinha, o que deixou o guarda-chuva mais curioso que nunca. Voltando de lá comendo uma maçã, colocou um cd e selecionou na faixa 10, que era uma música bem conhecida e que logo conquistou e entrou para a lista de gosto musical do guarda-chuva.
Dançando como quem não sabia dançar, cantava a letra em claro e alto som, o senhor corria pela casa, pisando e pulando no sofá '' In the name of love '' ele cantava '' what more in the name of love ? ''. Trovejou, a chuva começou a cair, e como uma coisa que o guarda-chuva não esperava, o senhor pegou-o daquele canto e saíu correndo para fora da casa ( por sorte a rua estava vazia, ou quase ), dançava com o guarda-chuva na mão, sujando de lama seu corpo, misturando pele e água.
Depois desse dia, o guarda-chuva nunca mais foi esquecido no canto, nem o senhor.