28 de janeiro de 2011

Ele odiava cobras e detestava voar

Minha mente funciona com o trabalho escravo de ratos, que manipulam manivelas geradoras de energia, com suas patinhas sujas de suor. São preciso muitos ratos, pelo fato de minha mente ser grande e oca, o que dobra o horário de expediente, exigindo mais de tais animais tão esforçados, em troca os ofereço comida, que é cada idéia inútil e vagabunda que eles mesmos produzem.

Certa tarde chuvosa, iniciei conversa com um deles. Dizia-me ele que seu maior sonho era voar, mas como isso era impossível, apelava para seu segundo maior sonho, que era ver um show do Lynyrd Skynyrd em uma taberna com endereço localizado pelas ruas do inferno.
Eu disse:
- well, caro amigo, de fato seu segundo sonho me parece bem mais viável do que um simples impossível vôo.
Seus olhos enxeram de brilho, por ter a mínima chance de poder ver de perto os colhões de Ronnie Van Zant apertados no jeans.
Como nem todos os membros do Skynyrd estão mortos, ainda teria de esperar algum tempo para realizar tal sonho. Além de ter a certeza de que o endereço realmente seria pelas ruas super lotadas do inferno. Porque não num plano acima ?
Seria um questionamento de Ronnie ?
Algo ascendeu em mim depois que levei tal prosa com meu amigo roedor, que logo após o término de nossa conversa, subiu do meu nariz até meu cérebro, levando por último sua calda, que havia ficado pendurada em um dos buracos nasais por alguns segundos.

Ronnie foi uma das melhores pessoas que não conheci, possuía uma voz adocicadamente rude, ou talvez não seja essa a definição certa, e sim, rudemente adocicada. Ou talvez nem assim. Ele não me disse que gostaria de morrer com suas botas e que não viveria até os 30, mas de alguma forma, todos ficaram sabendo.
Certo dia, um outro rato que habita em minha cabeça cantarolava uma das mais famosas músicas

  '' Cause I'm as free as a bird now,
               And this bird you can not change 
       Lord knows, I can't change. '' 

E mesmo não sabendo se essa parte é '' propriedade '' de Allen Collin ou Ronnie, ou de ambos, a complexidade do contexto todo faz com que só sobre '' adocicadamente ''.
Creio que o outro rato, o que cantarolava, chama-se Alan.

Com tudo, só tinha vontade de abraçar Ronnie, chegar perto de seu rosto de quem não encontra barbeiro, olhar em seus olhos vivos e beijar sua testa, com o carinho meu e de meu rato sonhador.
O terceiro sonho do rato, era quem sabe, ser Simple Man .

2 de janeiro de 2011

Póstumo

Comecei a escrever isso em sala de aula, provavelmente numa aula de Matemática. Não botei fé, e ainda não boto, no conteúdo desse texto, mas terminei porque prometi a mim mesma, e por detestar coisas inacabadas quando parecem ter um final.
Também escrevi para Amanda Gabriella.
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- Com a benção de deus e a permissão do diabo.

E fazia quatro e meia da manhã, no horizonte nascente, raiava lá de longe um caminhão. A poeira do caminho, que corria pelo ar, o que ela queria ? Ela queria arrancar. Naquele dia ia embora, em um errante caminho um velho de vida pronta.
Com sua capa de pano, pés sujos e sonhos inacabados, entrou no veículo lotado de semelhantes e segui sua sina.
Conformidade nunca foi seu forte, em busca de algo novo e uma diferente odisséia ele almejava ir atrás. Queria ver algo que jamais havia visto, além.
No caminho poento, o velho olhava sem arrependimento para trás. Figuras se formavam ao logo da estrada, e sendo verdadeiras ou não, imagens sempre revelam algo. Adeus, senhor xamã.
E com o sol de meio dia ele teve de se acostumar, pois sem pena, ele batia sem parar. Já ébrio com o cheiro do cachimbo de uma senhora que fumava no canto do caminhão, adormeceu, e disso sim ele se arrependeu.
- E porque abandona teus filhos, ingrato sem vergonha ?!
      Gritava a voz de um sonho que não me pertence. Houve resposta.
- E quem fala com vontade, de algo sem gravidade ? Nasci e me criei nessa terra e filho dela também sou, um pai cria o filho para fora, que egoísta o contrário faz. Tecelão de seus caminhos eu não posso ser, então porque permanecer e me deixar perecer ?
       A voz calou-se. O velho acordou.
Descendo finalmente do caminhão, o relógio marcava 15h.
Um encanto de cidade, essa nunca viu, e tão maravilhado, o velho quase não ouviu:
  - A cidade consumidora de fogo e enganadora de corações, ela vai sugar, ela vai te pegar e te devorar.
        Gritou um homem de chapéu na mão.
Sem dar ouvidos, o velho adentrou seu possível erro. Andou durante horas, em um bairro chinês, onde ficou até as 6. A cidade multicolorida o engoliu, e por muitas etnias ele passou.
Uma em particular chamou sua atenção, uma bela moça com uma vela na mão. De venda furada tapando um dos olhos, para o velho com o outro olho fitou.
  - A chama da tua vida. Eu posso apagar ? Ela queima levemente até acabar, ela sabe exatamente onde pára o teu andar.
A moça que proferiu, sumiu. E de grande espanto o velho ficou quando começou a ver sentido algum ali. Mas nem bem respirou e já avistou três bêbados vindo ao longe, quase feitos de luz azul.
- Quem vem ?!
  Perguntou o velho
-  Ninguém
  Respondeu uma das vozes
- Ninguém ?
  Perguntou de novo
- Talvez
  Respondeu uma outra voz, e continuou
- Sou o nada, sou ninguém, eu sou nós.
E o velho já não soube o que pensar, três bêbados que ali andavam, sumiram como uma fina espuma soprada. Há muito já estava escuro, mas disso todos já sabem, e o velho, o que procurava ?
      
     - Seeeeeenhoras e meninossss!
Berrou uma voz masculina
     - Com permissão de deus e a benção do diabo... Eu lhessss ... apresento ...
                       Nada mais nada menos que
           Morte.
Sob a luz de um poste apareceu a senhora portadora de um olho só e do fio da vida amarrado no pescoço. E de toda a platéia que ali não estava, olhou e foi até o velho.
Ela, de cabelos vermelho-brasa e psicodélica roupa, respirou o ar frio que pairava perto do velho.
          - E de fato, um rato.
                      Quem pode ser ?
- Meu nome é ..
- Não, seu nome não.
A vida é assim, claro. Você nasce e desde aí começa a perder.
Você cresce, continua perdendo.
Daí morre! E aí começa a ganhar. Sentindo cheiro de incenso, meu caro, você vê o frágil e pequenininho mundo, cada mente tola, de pessoas que conhece e ignora. Você entende que isso tudo é uma prisão, a prisão que tem que ficar até poder realmente viver, que é morrer.
  A cartada da roda da fortuna. Conhece ?
  A cartada da morte.
O velho ficou só novamente. De mente confusa, já não sabia o que fazer, esqueceu o que procurava, sem saber que isso já encontrara. Se largou em um chão qualquer e lá ficou, olhando e ouvindo um ecoando...
  '' Você trocou sua liberdade ''
Ouviu um tambor, pequenas patinhas marchando. Levantou-se, suspirou e concentrou-se.
Aranhas de farda vermelha tocando concretos tambores e cornetas.
- Ai, filha d'uma patifa - exclamou o velho, pois uma pequena caranguejeira que corria longe o havia mordido no pé.
O pé inchou, e na dor ele se confundiu, porque seu ouvido estava estourado com o som de contrabaixo iniciado por uma passeata de hare krishnas, que rodaram em sua volta, o giraram fazendo flutuar. Cada vez mais alto e mais alto.
Estourou. Ganhou.
 

A dona da casa atendeu o telefone, e um conhecido a pegou por trás

Ela é só uma casca, dura e oca por dentro, daquelas pessoas que julgamos ter pena quando vemos andando pelas ruas. Uma daquelas pessoas que se afundam na merda líquida, e não sabem nadar.
É essa a sua impressão ao vê-la. Mas impressões nunca vão passar de impressões.
Ela tinha raiva das pessoas, pequenos parasitas que se chamam de pessoas. Achava uma perda de tempo sem tamanho, uma burrice, você viver.
Ela queria sua morte. Não a dela, a sua.
Acordava todos os dias de manhã cedo, tomava uma xícara de café com leite atolado em açúcar, e saía para trabalhar. Ao contrário do café, era amarga com as pessoas, porque o recíproco era verdadeiro e antecessor.
Trabalhava como caixa de supermercado, e todos os dias algum cliente discretamente a chamava de puta, costume. Uma noite, ao chegar em casa, abriu a porta, adentrou o ninho a que chamava de apartamento. Largou as chaves em cima da mesa central da sala e foi tomar banho. A campainha tocou. Ela rezou para que não fosse Fernando, seu vizinho para quem ainda fazia esforço em demonstrar carinho. Desligou o chuveiro, enrolou-se numa toalha, e caminhou até a porta, mas ao abrir, nada. Achou estranho mas acabou por voltar ao banheiro.
O telefone tocou. Novamente cobriu-se com a toalha já molhada e foi atender. Nada. Voltou ao banheiro decidida a não mais sair até que o banho tivesse acabado. Lavou o cabelo e ensaboou o corpo, parte por parte. Possuía um corpo pálido, com sinais pretos, que lembravam chocolate branco com cookie. Enxugou-se e foi ao quarto vestir algo. A campainha tocou. Pensou em não atender, pois além de ter tido um dia cansativo ( como de fato eram todos ), não gostaria de mais uma vez encontrar o vazio em sua frente. Mas acabou por colocar um pé na frente e outro atrás, um pé na frente e outro atrás, um pé ... Abriu.
- Porque demorou tanto a me atender ? Perguntou Fernando, que sorria demasiadamente.
- Ah, é que... hm ... Por nada.
- Certo, veja o que trouxe, Val.
- Pra que frutas e uma garrafa térmica com ... chá gelado ?
- Porque eu tenho que comemorar algo com você, comemorar com alguma coisa que não seja essas porcarias que você come, não posso entrar ?
- Pode sim, senta ali no sofá, já vou indo junto.
Ela olhou para fora, saiu um pouco para verificar se não havia algo que mostrasse quem tocou a campainha antes. Olhou para Fernando, arrumando as coisas na mesa da sala, sorrio. Entrou e fechou a porta.
- Fernando, você tocou a campainha antes ?
- Não, Val, porque ?
- Por nada. E telefonou ?
- Também não. Pode pegar copos na cozinha ?
- Vá você.


...


- Valentina!
- O que é, Fernando ? Já disse pra não me chamar assim!
- Posso usar as taças ?
Valentina olha com um olhar de desdém que deixa Fernando constrangido, mas de qualquer forma, vem andando com as taças na mão.
- É um lindo nome, Valentina, porque não ? Valentiiiina, Valeeeentina, Valentinaaaaa.
- Quer parar ? Alias, pra quê taças ?
- Eu não disse que estamos comemorando ?
- Ah, sim, mas o quê exatamente ?
- Um emprego que aceitei. Para tocar piano naquele barzinho que fica na esquina.
- Que ótimo!
Eles comem as frutas e o chá gelado, que Valentina detestou, assistem televisão.
- Posso dormir aqui hoje ?
- Acho que pode.
- Nós nunca... hm ...
- Eu sei, e vai continuar assim.
Fernando levanta do chão, onde acabaram sentando, anda pelo apartamento, liga e desliga a luz da varanda, olha os livros, e pensa em qualquer motivo para que Valentina tenha se tornado uma pessoa tão fechada, não que a tivesse conhecido diferente. Na verdade, pensava que não a conhecia, o que não deixava de ser mentira. Certa noite, quando acabava de chegar em casa, avistou Val abrindo a porta, perguntou se poderia conversar um pouco, e desde aí, conversava sempre. Mas ela não falava sobre si, ou sobre qualquer coisa que se relacionasse ao mundo adentro. Mas seu corpo de mulher grega, chamou a atenção de Fernando, e os cabelos que caíam pela cintura, eram como se fossem chicotes, que com chicoteadas, faziam uma parte inferior do corpo dele, latejar. Via açúcar, aonde ninguém acreditava em pudim.
- Posso tomar banho ? 
- Se trouxe toalha ...
- Não.
- Use a minha.
Enquanto Fernando tomava banho, Valentina folheava as histórias em quadrinhos que ele sempre lia, beliscava as uvas que sobraram e ouviu o telefone tocar, foi atender, e novamente, nada.
Pensava '' será brincadeira ? '', porque ninguém costumava ligar ou freqüentar sua casa, e se um aperto na campainha e algumas ligações foram feitas em um só dia, importância ou trote.
Olhou-se no espelho, se perguntava o que Fernando via ali. Não tinha físico de modelo, e nem uma inteligência que chamasse atenção, dinheiro, ou qualquer outra coisa que mulheres acreditam que encanta seres humanos do sexo masculino.
- Valentina.
- Sim ?
- Pode vir aqui ?
Ela foi, abriu a porta do banheiro e viu Fernando, parado em sua frente, a água escorria pelos cabelos castanho claro, e tinha um toque frio. Valentina sabia, pois ele a puxou, e o choque térmico entre ambos fez com que os olhos claros de Val, ligassem. Ela a beijava, com sua boca fria e molhada, a tocava, como se conhecesse cada parte daquilo que explorava pela primeira vez, conduziu aquele corpo feminino para dentro do chuveiro, onde os cachos compridos mais uma vez caíram pela pele, só que dessas vez, misturando-se, e ela disse somente '' mas já tomei banho ... ''
Mais tarde, o telefone tocou mais uma vez, tocou, berrou, mas ninguém foi atender. A dona da casa estava na cama, enrolada pelo íntimo de um conhecido que soube colher a cana.