2 de março de 2011

Sublime canção

Não era muito tarde quando cheguei em casa. Me sentia diferente, na verdade, me senti diferente o dia todo, desde a hora em que acordei e me senti viva e parte de uma experiência sem passado que a memória deixe alcançar. 
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É difícil ver nas suas razões, concordância com novas outras razões. É o primeiro impacto diante de Krishna e Arjuna.  
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Amarrei meu cabelo de uma forma diferente, troquei a calça jeans que tanto me enjoa, e fui a quintal sujo ver o céu. Entendi porque o papagaio sobe no telhado e fica imóvel pegando o vento que sopra invadindo suas penas verdes. Olhei para os coqueiros altos, as folhas que se mexiam, o céu azul-cinzento, e me senti ainda mais sensível. 
Lembrei que aquela hora era a hora em que minha avó sempre faz o café, que meu tio tanto gosta, e eu também. Mas ao sacudir a garrafa térmica, não tinha nada. Me conformei que não tomaria meu café diário, mas minha avó se levantou e foi fazer, sem eu pedir, outra vez o líquido puro e negro que havia acabado. Conversei com ela na cozinha, falei de coisas normais. A coisa que mais me encanta, apesar de humana demais muita das vezes, é a inocência com que minha avó vê certas coisas. Não sei se inocência é a definição certa. Não sei definir nada nesse momento.
Peguei a maior xícara que enxerguei, coloquei meu café quente dentro e voltei ao quintal. Precisava de céu.
Lembrei do livro que lia, fui ao quarto, peguei e voltei, só que começava a ficar escuro, o infinito ficava belo, até a luz acabar. Liguei a lâmpada, sentei na cadeira e li. 
Não era frio, nem quente, só era a sensação de dentro que se manifestava. Me agoniava, mas não desconcentrava. 
Não me sentia completa, nem sei porque me sentiria, já que nunca me sinto. Me senti carente de coisas que nem sei se existem, senti vontade de atravessar portas, e ao mesmo tempo, me congelar, me fazer parar de pensar e sentir, mas também senti vontade de agir. Não me sentia real, apenas uma imagem que tornava a repetir ou era inédita em algum lugar, em outras portas e janelas. 
Uma barata enorme começava a se aproximar de mim, não mato baratas, peço mentalmente que elas sumam, até que começo a gritar e meu pai de saco cheio as acerta. Dessa vez meu pai não estava, ele habitava algum outro que necessitava estar, longe de mim, que necessitava estar ali. Peguei a sandália e matei aquele enorme pequeno ser. Enquanto cometia esse assassinato de outras leis, o papagaio me olhava de canto, comendo seu pão. Aquilo me incomodou, e lhe dei uma explicação, começando um bate papo e entendendo que estava sendo compreendida. Parei e disse para mim mesma '' ele é só uma ave '' e voltei a ler. 
De repente me senti exposta e sozinha demais, fechei o livro que me exigia atenção e voltei para meu quarto. 
Ainda me sinto diferente, diferente demais para ver pessoas. 

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